segunda-feira, 3 de março de 2008

Cabelos indicam lugares em que a pessoa viveu

A água da torneira que uma pessoa bebe deixa uma "assinatura" em seu cabelo que pode oferecer um histórico dos lugares em que a pessoa tenha vivido, de acordo com pesquisadores que desenvolveram um método para estudar esses marcadores. Essas marcas que mostram os movimentos passados podem um dia se tornar ferramenta de uso comum para os antropólogos e as autoridades policiais.
Assinaturas reveladoras deixadas por isótopos naquilo que comemos e bebemos podem ser localizadas em muitas partes de nossos corpos, por exemplo nos ossos, unhas e cabelos. Os testes de ossos encontrados em sítios de escavação arqueológica podem demonstrar se uma pessoa viveu e comeu na área por muitos anos, ou migrou de outras partes, e essas técnicas já foram usadas por peritos para determinar a origem de vítimas de identidade desconhecida. Mas o cabelo atrai especialmente o interesse dos cientistas porque cresce de maneira contínua. A depender de seu comprimento, um fio pode oferecer uma crônica de anos de informação sobre o paradeiro de alguém.
"Os ossos representam uma média de longo prazo e estão sendo constantemente remodelados", diz James Ehleringer, autor do estudo e biólogo da Universidade do Utah, em Salt Lake City. "O cabelo é produzido seqüencialmente, e depois disso não passa por modificações posteriores". É essa característica, diz Ehrelinger, que permite a pesquisadores que definam a história geográfica de uma pessoa ¿ pelo menos em certa medida.
Embora a técnica não seja capaz de identificar pontos específicos em que uma pessoa tenha vivido, ela oferece probabilidades de localização pelo menos em termos de áreas mais amplas. Os resultados serão publicados pela Proceedings of the National Academy of Sciences.
Análise elementarA maior parte da água de torneira fornecida no mundo vem das precipitações locais, e a "assinatura isotópica" ¿ a relação entre elementos leves e pesados - na água de chuva local é influenciada pesadamente pela geografia. Em geral, os isótopos mais pesados, como o deutério (hidrogênio com um nêutron adicional) e o oxigênio-18 (oxigênio com dois nêutrons adicionais) tendem a ser "chovidos para fora" das nuvens em primeiro lugar, já que a condensação dos isótopos mais pesados é mais fácil. Assim, à medida que a chuva é carregada para a terra de seus pontos de origem sobre o oceano, os isótopos pesados tendem a chover primeiro, sobre as áreas costeiras. As regiões mais distantes da costa tendem a ter presença inferior dos isótopos pesados, e o mesmo se aplica aos climas mais frios.
A água local é o ingrediente primário para boa parte dos líquidos que bebemos, incluindo os refrigerantes, que nos Estados Unidos tendem a ser engarrafados em base local. Evidentemente as pessoas também consomem grande volume de alimentos e bebidas não locais, mas Ehrelinger e seus colegas principiaram com a suposição de que a maioria das pessoas têm a mesma "dieta global", e averiguaram para determinar se era possível detectar sinais remanescentes da água local em seus cabelos. Recolheram amostras de cabelo em 65 barbearias dos Estados Unidos, e comparavam as relações entre isótopos de hidrogênio e oxigênio contidas nas amostras à água de torneira de cada local. Eles constataram que a comparação é factível.
A equipe também recolheu amostras de água de torneira de outros 431 locais nos Estados Unidos, a fim de desenvolver um mapa dos níveis de deutério e oxigênio-18. Texas e Flórida, Estados quentes e próximos das costas, apresentavam os mais elevados níveis relativos de ambos os isótopos.
Cruzando fronteirasCada centímetro de um fio de cabelo corresponde a cerca de um mês de crescimento, segundo a equipe. Para testar a capacidade de produzir uma história dos percursos percorridos, eles recortaram pedaços de um mesmo fio de cabelo e encontraram isótopos consistentes com uma recente mudança de Pequim, China, para Salt Lake City. Para que o cabelo registre um novo local, a pessoa precisa viver lá por três meses ou mais, segundo os pesquisadores.
A técnica já foi aplicada para ajudar a polícia, diz Ehleringer. Em um caso, os pesquisadores conseguiram confirmar que uma vítima de homicídio havia viajado pelos Estados do oeste dos Estados Unidos, entre os quais Utah, Montana e Wyoming, por mais de dois anos.
A técnica "jamais poderá determinar uma localização precisa", diz Ehleringer, ainda que possa ajudar a excluir possíveis áreas de residência ou ajudar a confirmar outras provas quanto ao paradeiro de uma pessoa.
A questão da dietaMais trabalho será necessário a fim de eliminar as complicações na análise, antes que ela possa se tornar uma ferramenta analítica estabelecida. O metabolismo e a dieta individuais podem influenciar a relação entre os isótopos do cabelo, por exemplo. "Existe considerável ruído biológico, de um indivíduo a outro, e isso precisa ser levado em conta", diz Robert Hedges, da Universidade de Oxford, no Reino Unido. "Suspeito que seria possível estabelecer duas linhas cronológicas diferentes se os objetos de estudo fossem, por exemplo, norte-americanos carnívoros diante de norte-americanos vegetarianos", afirmou.
Ehleringer admite que a suposição de sua equipe, no sentido de que a maior parte da população mundial sobreviva com uma "dieta genérica de supermercado", talvez não sobreviva a novos estudos.
Thure Cerling, um dos co-autores da pesquisa, também professor da Universidade de Utah, considera que a técnica também tem potencial adicional de uso como forma de estudar migrações animais. Os longos pêlos das caudas dos elefantes africanos podem conter até dois anos de história de seu paradeiro.