terça-feira, 2 de setembro de 2008

Língua presa -->



Por Antonio Nunes Barbosa Filho

Karine tinha um problema grave com as palavras. Parecia que elas ardiam quando chegavam à sua boca. Seu cérebro vivia em permanente ebulição. A velocidade de seu raciocínio era incompatível com a capacidade de pronunciá-las. E não tardou para que esta condição fosse percebida por seus colegas de turma. Aí você sabe como é a garotada, não é?! A ironia aflora... Aí, um te chama daqui, outro te chama dali e daqui a pouco você não tem mais identidade. É outro, deixa de ser você sendo o próprio! Em poucos dias ela ganhou um apelido que a acompanharia por toda a vida. Quem não conhece alguém que carrega um desses? Eu mesmo tenho um amigo que até hoje é conhecido como “Muriçoca”. E não adianta querer fugir da alcunha ou querer reagir indignado que tais medidas não têm nenhuma serventia. É pior! Parece que as forças cósmicas conspiram e a coisa pega, de vez... Para karine a coisa funcionava mais ou menos assim. Batia os olhos, a mente processava velozmente e quando era para dominar as palavras... Nada! Não tinha controle sobre elas! Não era de se admirar que ela fosse conhecida pelos amigos como “Língua presa”. Ela se esforçava para dosar as palavras, mas somente conseguia fazê-lo ao escrever. O que foi bastante útil em sua profissão de advogada. Com as palavras no papel ela conseguia expressar exatamente o que era necessário, com os subterfúgios necessários que a vida cotidiana jurídica impõem. Mas se fosse para fazer uma argumentação ou defesa oral a coisa pegava... Bem que ela tentava, se esforçava. Tentou de tudo: fonoaudiólogos, psicólogos, cartomantes e benzedeiras... E não tinha jeito! As palavras em sua boca estavam como um carro sem freio ladeira abaixo... E o olhar dela dizia muito. Era profundo. Aquele tipo de olhar que parece te desnudar, penetrar em teu interior e perceber um pouco de você, ainda que você deseje se esconder por trás de qualquer máscara. Então ela perdia o controle... não conseguia controlar as palavras na boca! Sincera? Transparente? Verdadeira? Sem papas na língua? Ingênua por dizer exatamente aquilo que pensa ou sente? Sabe-se lá como você a definiria... Eu a definiria como encantadora! Sei apenas que ela não leva desaforo pra casa e nem age com falsidade, pois não sabe pensar uma coisa a respeito de você ou dos fatos e dizer outra coisa. Aliás, “qualidade” que muitos por aí dizem ser essencial para viver. Eu acredito que não. Prefiro conviver com alguém como Karine “língua presa” que sempre diz o que pensa – embora no fundo no fundo, como já me confessou, ela desejasse ser um pouquinho diferente –, do que receber afagos de quem fala outra coisa pelas minhas costas. Não é verdade?